quinta-feira, 2 de agosto de 2007

ai de mim.


Na sombria paisagem de uma Lua cheia,
entrego aos anjos o meu leito:
Deitem-se, mexam-se!
Aqui jáz um peito calado.
Há tempos que não sou meu.
Movam-se!
Arranquem de mim, o lúgubre deus
o sopro alado.

Longe, a donzela ouve.
De lá, treme.
Não tremas, donzela minha
Cá está o teu poeta
Cá estou e beijo-te...


As imagens gritam ao meu desespero de estar. Cai em meus braços os gemidos fracos da Lua. Espalhada como que se em fios finos de um tecido branco, cobrindo tudo, exalando sombras.São esses devaneios meus o teu modo de sujar minha cama de espinhos dolorosamente agradáveis? ah, a tua delicadeza! Suspiro o meu grito murmurante. ouves, donzela, ouves? Por amor aos meus versos mudos, não me deixes. Ai de mim, que estou presa entre os dentes alvos de uma flor carnívora. Sim, as minhas flores têm dentes, nunca reparaste? Ah, donzela embriagada de fraquezas e minúcias próprias de uma deusa, cantes alto! Aqui os anjos fazem festa. Festa ao horror de não te poder levar ao leito florido e rubro, pela mão. Ai de mim, que beijo teus pés floridos para ver nascer em meus lábios o teu nome. Nessa paisagem sombria, onde mergulho vagarosamente, sinto o teu arfar. Ah, eu sonhei! Sonhei, donzela, sonhei com o teu hálito misturado ao meu, em trêmulas juras. No lago, onde o branco dos cisnes não mais maltrata a minha vista, vejo o teu semblante a bailar, ao lado da Lua. Hoje, cheia e uivante, a Lua transmite imagens confusas aos meus olhos embriagados no licor da saudade perfurante. Ah, ante a visão de um poeta ofuscado, és a rainha. Ai de mim, que aqui estou. Quando meu desejo é saciar a volúpia de meu peito. Vamos, matem-me logo se não podem trazê-la à mim. Ela, mais bela que a Poesia e a Natureza. À quem entrego o saber da minha existência. Sou o gemido que treme em tuas fitas. Teu perfume, donzela, é para enlouquecer-me. Ai.

2 comentários:

Patrícia Lino disse...

Arqueja. O meu peito, em violentas palpitações -
será o sangue que ao correr, me enlouquece e estimula,
a febre que me aquece os olhos e me derrota em orações,
num balbuciar tremendo entre os pés pesados e o chão que pula?

Lateja. O corpo, todo um corpo que não meu - dela
será o ar que me falta, culpado e impostor,
o sentido das suas mãos em torno do meu peito (dela)
num pacto traiçoeiro entre a pena e a dor?

Fraquejam. As pernas, que os joelhos tecem
em minúcios pormenores de cumplicidade,
ornamentadas com pequenos restos de lágrimas, que perecem
nos renovares acesos da nossa intimidade.

Sucumbe. A alma que lhe quer, como nunca quis
o corpo que não me desejou a mim, e sim a ela -
num alarido impetuoso, pela boca de um rei ou imperatriz,
vivenciado pela mais pobre dos poetas - aquela

cujo peito arqueja, em sucintos fraquejares
que lhe ditam as pernas, como a alma lhe nega
o corpo, que lateja em unidos balbuciares
de um chão que se alegra, junto de uns pés,

cujo todo o medo, se lhe entrega.



A vós, majestade.

Salve Jorge disse...

Ah, mar..
Deixe-me começar
Por onde constumo concluir
Sem o intuito de fechar
Apenas dando a vislumbrar
Essa vastidão que temos de seguir...

Tens par
Há mar
Entremeada na espuma
O vento sopra as ondas
Enquanto adensa-se a bruma
E nessa vida insular
Assisto de fora do tempo
O lento movimento
Dessas placas tectônicas
Navegando sobre o magma
E provocando colisões e afastamentos
Gerando montanhas e derrubando firmamentos
Alterando toda a geografia
A despeito do intento
De quem mergulha no leito
Tenta dar um jeito
Nas inconstantes humanidades
Unir com cimento
O que nem titânio funde
Pois não há nada de molecular
Nessa ligações passageiras
Jà que estamos na esteira
Vítimas das rupturas

Dobrem os joelhos
Cerrem os olhos
Arrefeçam os tímpanos
Dobre-se a língua
Corrompa-se o que vier
E faça fogos de artifício de tudo que sobrar
Ao mar
Porque o há
ALi está
Resta nadar
Enquanto ele segue
A ir e voltar
Ah, mar...